sábado, 15 de outubro de 2011

Perfil de um ser eleito - Clarice Lispector (trecho 2)

Tudo isso contraditoriamente, foi dando ao ser a alegria profunda que precisa se manifestar, expor-se e se comunicar. Passou a dar-se através da pintura. Nessa comunicação o ser era ajudado pelo seu dom inato de gostar. E isso nem juntara nem escolhera, um um dom mesmo. Gostava da profunda alegria dos outros, pelo dom inato descobria a alegria dos outros. Por dom, era também capaz de descobrir a solidão que os outros tinham. E também por dom, sabia profundamente brincar o jogo da vida, transformando-a em cores e formas. Sem mesmo sentir que usava o seu dom, o ser se manifestava: dava sem perceber, amava sem perceber que a isso chamavam amor. O dom era como a falta de camisa do homem feliz : como o ser se sentia muito pobre e não tinha o que dar, o ser se dava. Dava-se em silêncio, e dava o que juntara de si, assim como quem chama os outros para verem também.

Nenhum comentário:

Postar um comentário